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Entrevista – Irmã Inez, a freira do rap


A freira Inez de Souza tem um currículo invejável quando se trata de trabalhos sociais. Além de chácaras de recuperação para dependentes químicos de todas as idades espalhadas pelo Paraná, ela coordena serviços de alimentação e acompanhamento psicológico dos moradores de rua de Paranaguá, onde reside atualmente. Fundadora da comunidade Milagre Eucarístico, ela é vista como “mãe” pelos alvos de sua caridade, mas ao mesmo tempo é duramente criticada por parte da população da cidade por auxiliar os moradores de rua, que ainda sofrem forte preconceito.

Outro ponto em que ela se destaca é na música – e aí seu reconhecimento é nacional. Procurando fugir da tradição e do sucesso da música unicamente gospel, a freira de aparência tranquila e voz suave apostou no rap para se aproximar do público jovem. O resultado foi positivo e seu quinto CD, “A Face da Revolução”, já está em processo de lançamento. Em entrevista ao NCEP durante a visita do Movimento Nacional da População de Rua à Paranaguá, Irmã Inez (a “freira do rap”, como ela mesma se denomina) falou de sua carreira como religiosa e como popstar.

NCEP: Como você começou a fazer rap? Como surgiu a música na sua vida?

IRMÃ INEZ: Comecei em Ponta Grossa, fazendo um trabalho com meninas em situação de risco. Na casa onde morava, acolhíamos essas meninas. Uma noite tive a curiosidade de ver onde esses menores dormiam. Saí para as ruas na chuva, no frio, e naquela noite tive a experiência de ver vários jovens dormindo dentro de caixas de papelão e usando drogas. Nunca tinha visto aquilo na vida. Aquilo me tocou muito e comecei a compor as músicas.

NCEP: Você já era religiosa na época?

IRMÃ INEZ: Sim, já era. Tem 11 anos que aconteceu esse fato. Eu tinha que dar catequese para essas meninas em situação de risco e era muito difícil falar de Deus para elas, já que não tinham pais e eram abusadas e até esfaqueadas. Então eu comecei a dançar músicas com elas, mas as músicas que elas dançavam. Comecei a brincar, fazendo um estilo diferente. A catequese que eu dava era dançando, cantando, fazendo teatro. Então eu comecei a colocar as músicas que eu compunha em festivais – e elas foram ganhando alguns desses festivais. Aí começou essa história e, de repente, estava cantando rap, mas por brincadeira. Então a mídia e a população ficavam “Tem que gravar, tem que gravar!” e na época foi uma explosão a freira do rap. Fui no Faustão, na Xuxa, no Gugu, todos esses programas. De lá para cá, continuei cantando, mas não só rap, mas também outras músicas. Só que o povo sempre pedia “Eu quero aquele CD que tem o rap!”. Aí pensamos em gravar um somente com raps.

NCEP: O objetivo de suas músicas é evangelizar?

IRMÃ INEZ: Nosso objetivo é evangelizar os adolescentes que estão principalmente nas drogas, os jovens que não vão para uma chácara de recuperação. Quando fazemos os shows, eles vêm porque tem curiosidade de assistir. E aí eles entendem que nós estamos no meio deles não pregando uma religião. Acredito que Deus usa as letras e essa presença da gente para fazer o que ele quer – e com isso é possível evangelizar aonde a gente tiver o dever.

NCEP: As músicas falam sobre quais temas?

IRMÃ INEZ: Algumas falam sobre minha vida, outras sobre Deus. Todas as músicas são de composição minha, uma só que eu ganhei. Mas todas elas indicam um caminho melhor para que eles possam seguir, um caminho espiritual para tirar esses meninos do mundo trágico que é o das drogas. A partir daí fazemos esse trabalho na recuperação de dependentes com adolescentes, crianças e adultos e é maravilhoso.

NCEP: Como aconteceu a composição, a formação das rimas? Foi algo espontâneo?

IRMÃ INEZ: Para mim, foi muito diferente, estranho. Até hoje tenho muita dificuldade para cantar, pois as letras são enormes. Ainda não fiz nenhum show completo desse CD, então só estou esperando para ver ano que vem pra eu saber cantar todas, pois elas são difíceis. Mas foi algo espontâneo. Às vezes eu componho viajando, muitas vezes em adoração, outras vezes tomando banho. Sinto que é algo que está dentro da gente.

NCEP: Existe alguma barreira ou preconceito das pessoas ou da sua congregação com suas músicas?

IRMÃ INEZ: Não. Na época em que comecei, estava em outra congregação que me apoiava muito e me incentivava a traçar esse caminho da música e dos shows. Hoje, Deus me inspirou a fundar uma nova congregação e sou eu que indico os meus caminhos. Tem sempre algumas críticas, mas você vê que elas servem mesmo para reforçar o trabalho da gente. Quando criticam, eu nem me preocupo, porque eles precisam conhecer o que está por trás da música, da aparência. Tenho muito apoio da igreja, dos jovens e das famílias, pois eles reconhecem que meu trabalho não é só a parte artística. Meu objetivo é algo profundo e está por trás disso, que é um trabalho social, de assistência ao ser humano, de recuperação, de reinserção.

NCEP: Qual o diferencial desse CD?

IRMÃ INEZ: Não tem nenhuma música de adoração, são apenas raps. Ele foi muito bem produzido por um rapaz que era do Racionais e tem até a participação do MC Naldinho, que muitos rappers conhecem. Ele também foi aprovado por muitos rappers de São Paulo. É um CD diferente, com público diferente, porque atinge muitos jovens que são ditos “da pesada”, mas na verdade não são. São jovens necessitados.

Ficou interessado no trabalho social e cultural de comunicação comunitária e alternativa realizado pela Irmã Inez? Seus trabalhos estão disponíveis no site MadrInez.

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