Se nós queremos outra sociedade, nós temos que ter outra mídia – Entrevista com Vito Giannoti
Vito Giannoti é um escritor e jornalista especializado em comunicação sindical. Autor de mais de 20 livros, o italiano e ex-metalúrgico que vive no Brasil desde seus 21 anos foi um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Giannoti foi um dos palestrantes do painel “Democratização da Comunicação” ocorrido durante o Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação Social (Enecom), realizado entre 22 e 29 de julho em Belém/PA pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos). No evento, ele nos concedeu uma entrevista para nos explicar um pouco mais sobre o tema.
NCEP: O que é democratizar a comunicação?
VITO GIANNOTI: É fazer com que o “demo”, que não é nada menos que o povo, tenha condições de poder se comunicar, de contar sua vida, sua história, das suas dificuldades, propostas, e poder divulgar isso, comunicar isso. Como se comunica isso? Não tem ilusão: jornal, rádio, televisão, internet, cinema, etc. O povo comum, 90% da população, não tem acesso a nada, só a receber a comunicação. De quem? De grandes grupos econômicos monopolistas que se apropriaram das chamadas concessões públicas no Brasil; ou acumularam dinheiro para ter seus jornais, revistas, e divulgam suas ideias que são ideias de uma sociedade x, ideias hegemônicas de um projeto de sociedade.
Democratizar a comunicação seria permitir que quem não tem hegemonia possa disputar a hegemonia em pé de igualdade. Como? Com direito ao acesso à comunicação para divulgar o seu projeto de sociedade, comunicar suas ideias, seu projeto de vida, sua visão de mundo. E isso não acontece: acontece que são pouquíssimos grupos econômicos que divulgam o que o dono quer da maneira que quer, no projeto político dele, e os outros não tem condições.
NCEP: Qual a dimensão que a falta desse acesso proporciona à sociedade brasileira?
GIANNOTI: Essa concentração acaba criando realmente um poder que é o verdadeiro poder. É o grande instrumento do qual o capital mantem sua hegemonia. Não teria hegemonia sem mídia – não é que a mídia é o poder, é que não tem poder sem mídia. Ou seja: quando Bush resolveu bombardar os iraquianos em 2003, tinha poderia militar de sobra para acabar com o Iraque em 1 minuto, mas era necessário o consenso mundial; e aí foi feito um enorme trabalho de todas as agências de noticia norte americana que divulgam no mundo todo sua visão de que o Iraque é um bando de terrorista, que tinha um ditador lá. Claro que era um ditador, quem transformou em ditador foi os Estados Unidos, precisavam dele na luta contra o Irã, mas isso tudo nunca foi falado na Globo nem nas grandes rádios e Tvs dominadas pela mídia norte americana. Com esse enorme trabalho, o mundo todo se convenceu que os Estados Unidos estava indo lá tirar um ditador, que eles eram amantes da democracia, e conseguiram esconder que os Estados Unidos ia lá única e exclusivamente pelo petróleo e pelo posição geo política. Tudo isso foi feito como? Não foi implantado por um milagre: foi implantado diariamente por todos os canais norte americanos, todas agências, rádios, jornais, revistas, repetidos no mundo todo pela mídia controlada ou que adere a esse projeto.
Então a mídia é o verdadeiro partido do capital. Partido no sentido de formar, orientar e dizer para onde a população tem que ir. É o capital, a alma do capital, o sangue do capital. É o verdadeiro partido. Se nós queremos mudar o mundo, temos que criar uma mídia alternativa, uma mídia que seja livre e democrática na mão de quem queira mudar o mundo.
NCEP: E quais são as alternativas para se democratizar a comunicação?
GIANNOTI: 1ºpasso: temos que fazer todos os esforços possíveis para criar rádios comunitárias, legais ou ilegais, criar TV comunitárias, jornais alternativos, blogs, e estimular que o povo crie isso; o trabalhador, a sociedade marginalizada, estimular o povo que não tem voz para que tenha voz. Temos que abrir as vozes da América latina, como diz o livro do Dênis de Morais, ou seja: fazer com que se abra os espaços possíveis hoje em dia. Enquanto isso – através dessa campanha de todos movimentos sociais pela democratização da mídia, onde entra Enecos, MST, movimentos sociais, partidos políticos que tenham interesse nisso – criar uma onda que seja irresistível no sentido de democratizar a mídia. Como? Mudar completamente a concessão de rádio e televisão. Hoje a concessão de rádio e televisão está na mão da direita. Todo deputado que tem uma concessão de rádio é um cara de direita, ninguém da esquerda conseguiu uma concessão. Rádio e televisão no Brasil são propriedades privadas da direita, por que o sistema doa essas concessões. Na verdade não são concessões públicas, são sesmarias que foram doadas a seus donatários, como na época da colônia. São as sesmarias do ar doadas a Roberto Marinho, Saad e aí por diante.
Então, 1º: rever as concessões, redistribuir democraticamente. 2º : fazer um movimento jurídico e político pra ter uma nova legislação que permita a criação de canais públicos de rádio e televisão. Públicos! que seja gerido pela sociedade civil. Um exemplo disso é a BBC de Londres, a melhor televisão no sentido de gerenciamento coletivo é a BBC de Londres. Ou seja, ter um canal público, que não tem nada ver com estatal. Os públicos tem que ser geridos pela sociedade civil, que vai desde bispo da igreja católica, até chefe de terreiro de macumba, OAB, sindicatos, MST, estudantes, Enecos, que estejam presentes nessa gestão pública de rádio e televisão.
Outra coisa: incentivo a veículos impressos. Porque não podemos ter ilusão que todo mundo tem acesso a blog. Mentira absoluta, total. Na prática o grosso da população ainda não chegou ao jornal. O Paraná é um dos estados do Brasil que menos lê jornal, menos de 4% da população (do Paraná) lê jornal. O jornal não chegou ao Brasil, mas pode chegar. Tem exemplos de jornal distribuído gratuitamente, muito bonito, muito bem feito – não discuto o conteúdo, o conteúdo é de um grupo espanhol que fez o jornal pra ganhar dinheiro, um direito dele na sociedade capitalista. Distribuição de jornais gratuitos, públicos. Públicos! financiado com dinheiro claro, claríssimo, dinheiro dos impostos, declarado, nada escondido.
Outro: que os movimentos sociais tenham incentivo para criar seus meios de comunicação. Como? Através de propaganda pública. A maioria das receitas da Globo vem de propaganda pública: Caixa, Banco do Brasil, Petrobras. Cada jornal de movimento social tem que ter apoio, mas não proporcional a venda, tem que ter incetivo para se criar jornal coletivo, comunitário, ou de um segmento determinado.
São alguns passos, é possível dar. O que não podemos é continuar hoje com o monopólio na mão de 8, 10 famílias no nosso país.
Rádio e televisão no Brasil são propriedades privadas da direita (…) Na verdade não são concessões públicas, são sesmarias que foram doadas a seus donatários, como na época da colônia.
NCEP: Qual a diferença da luta pela democratização da comunicação em relação a outras lutas sociais, como educação, trabalho, saúde, etc?
GIANNOTI: Você não vai ter luta por emprego se as pessoas são vítimas da Globo que dá sua versão de emprego. Você não vai ter luta pela moradia se você tem jornais que defendem o projeto de sociedade de hoje, onde São Paulo passou a ter 1500 favelas a mais nos últimos 2, 3 anos. Para o Globo, para os grupos econômicos, está perfeito. Então, se nós queremos outra sociedade, nós temos que ter outra mídia. E como vamos convencer as pessoas de outra sociedade? Através da mídia. Então, se nós queremos uma saúde pública universal, digna, decente, que nós não temos; se nós queremos uma escola pública decente, que nós não temos; – que não seja uma escola elitizada que hoje não tem nada de público, nem uma universidade pública que não tem nada de público para mim, é ilusão – se nós queremos isso, temos que divulgar isso.
Não é mais uma luta, é a base de todas as lutas, para educação, serviços, cultura. A cultura tem que ser incentivada, mas como você vai convencer que a cultura tem que ser um incentivo? Através da comunicação. Então a luta pela comunicação é básica, perpassa, penetra através de todas as lutas. E você não tem as outras lutas sem ela, você não leva o povo nas ruas, não mobiliza, se não comunicar. Por isso que a comunicação é básica. Não é mais uma, é absolutamente central.